RICARDO CARVALHO CALERO, HUMANISTA E ORADOR

María do Carmo Henríquez Salido

R. Carvalho Calero coa autora no II Simpósio Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, celebrado em Buenos Aires em homenagem a Rosalia de Castro (1985)     Fotografias cedidas  pola autora

Um dos aspectos talvez menos estudado da sua obra som as suas intervençons como orador nas últimas décadas da sua vida. Está fora de toda dúvida, que foi um orador excelente; era capaz, quando estava no uso da palavra, de repentizar «ex nihilo» um relato brilhante. 

1. Para explicitar o seu humanismo, resumimos algumhas das nossas ideias (Henríquez Salido, 2000: 227-237); a sua vida foi umha vida dedicada à Galiza e presidida polo amor à Ciência, que nasce no momento, em que inicia os seus estudos universitários e começa a sentir «esse sentimento de veneraçom polo ambiente universitário como realizaçom e símbolo do amor à ciência» (Montero Santalha, 1993: 39). 
É um dos poucos investigadores e estudiosos do seu tempo, que vai construir a sua teoria sobre a língua da Galiza, como um sistema relacionado com o pensamento, a sociedade, a cultura, a história política, as instituiçons, a extensom geográfica das línguas, a psicologia do falante e com outras realidades externas. Além do mais, vai ser um dos poucos teóricos da Galiza que se vai preocupar polo tema da «língua literária», essa língua que representa no seu grau mais alto a dimensom deôntica (o «dever ser») da língua. Tem-se preocupado da gramática normativa, porque essa gramática vai ser a manifestaçom metalingüística explícita desta dimensom; o galego moderno devia submeter-se a regras. Nom se cansa de proclamar, que a língua falada espontaneamente polo povo (o galego popular) nom podia ser considerada como «exemplar», porque estava corrompida polo contacto com o espanhol. 
2. O nosso Mestre tinha sido convidado como pregoeiro da «XVII Feira do Vinho de Ribadávia», o día 30 de abril de 1980. Este texto estava guardado numha gaveta do seu escritório e nom tería sido publicado, se «alguém nom lho tivesse solicitado para que formasse parte de un livro que recolhesse textos inéditos» (Carvalho Calero, 1984: 127-131). O próprio autor assim o manifestava na carta, que nos entregou a Professora Aurora Marco, reproduzida em Henríquez Salido (2011: 113): 

Fique patente, pois, o meu agradecimento aos oradores desta tarde, os Professores Maria do Carme Henríquez Salido, intrépida luitadora pola causa da nossa língua, inaccesível ao desalento, inesgotável na abnegaçom; Ramom Lôpez Suevos, que pom ao serviço da nossa terra, e polo tanto da nossa cultura, o entusiasmo rigoroso sem o cal o nosso esforço seria fria especulaçom ou lume que a si mesmo se consome; Francisco Salinas Portugal, crítico seguro, de formaçom moderna e amor tradicional ao nosso património […]. 

Na sua exposiçom proclama «o benefício alegre dos dons da natureza, com o usufruto saudável dos bens temporais que nutrem com o seu zume assoalhado o sustento material do home». E como os habitantes da Galiza som algo mais que «sustento material», evoca a arquitectura compostelana simbolizada «na praça do Mercado Velho, a Porta de Maçarelos, que se abria aos caminhos do Sul, aos caminhos do Ribeiro, a rota de Ribadávia», para mostrar a sua satisfacçom polo nosso agro, o bom jantar e o bom beber «dos produtos da terra que alegram os nossos coraçons». 

Carvalho Calero com a autora deste artigo na homenagem a Castelao en Rianxo (1986)   Fotografia cedida pola autora

 

Especialmente fermosas som as palavras dedicadas a louvar «a beleza geórgica do Ribeiro», «o vinho do Ribeiro», que como um deus agrário «reveste mil formas». Evoca à Galiza medieval e estabelece um símil entre o vinho e a língua da Galiza, ambos ameaçados por poderosas competências; ambos precisavam ser autênticos, rejeitar energicamente todas as adulteraçons, e apresentar-se puros no concerto dos vinhos e das línguas: «Se o ribeiro ha de ser ribeiro e o galego ha de ser galego, o que é o mesmo que dizer, se o ribeiro e o galego querem ser algo, e nom nada, ham manter as essências que os fixerom serem o que som […]»(Carvalho Calero, 1984: 131). 
3. O seguinte texto recolhe as palavras pronunciadas para saudar e acolher a todos os assistentes ao I Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza (Carvalho Calero, 1990: 23-26). Asseverava Dom Ricardo: «Reunimo-nos aqui os estudiosos do romanço hispânico atlântico que quigerom e puderom concorrer, para falarmo-nos e escuitarmo-nos mutuamente, dando fe da realidade, reconhecida tradicionalmente polos grandes mestres da Filologia, da unidade substancial do sistema lingüístico». 
Rememorava que estávamos num momento crítico, em que «a constituiçom de regimes autonómicos dentro do domínio lingüístico, como é o caso da própria Galiza, nom podem menos de afectar ao presente e ao futuro do sistema hispano-atlântico. A nossa língua agora cooficial co castelhano neste país, nom por isso deixa de estar ameaçada de desorbitaçom ou esmorecimento». Sublinhava que «a coordenaçom entre as diversas formas do galego-português é umha exigência da hora actual […]. O galego é galego-português […]. Pertence à área ibero-românica ocidental, nom à área ibero-românica central. É lógico que, consoante à geografia e história, isto repercuta na plasmaçom gráfica do idioma». Porém, como o galego tinha personalidade própria dentro do sistema, «nom se lhe pode negar o direito a projectar na escrita os traços peculiares que julguem imprescindíveis. A rectificaçom da desnaturaçom da nossa ortografia ha de fazer-se co ritmo que aconselhem as circunstâncias temporais […]» 

Carvalho Calero com a autora deste artigo na sessom de abertura do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza (Universidade de Santiago de Compostela)    Fotografia cedida pola autora

 

Sobre este particular, interessa pôr em destaque que o nosso Professor, sempre defendeu que a nossa língua devia manter na escrita, na gramática e no léxico «os traços peculiares que se julgassem imprescindíveis», conforme me manifestou, em julho de 1985, numha carta publicada na revista Agália (1992: 53): 

[…] Pero cando se trata de um trabalho pessoal, firmado co meu nome e os meus apelidos, quero ater-me ao compromisso que a Direcçom contraiu, segundo o qual […] a mim se me concedia a prerrogativa de supor-me incorrigível e ineducável, e que me respeitavam os usos em que estivesse sulagado, pois a minha assinatura cobria os meus possíveis erros […]. Trata-se de que ti me garantiches um respeito que nom se me outorga. Pois pôr minúscula onde eu ponho maiúscula, aspas onde eu nom as puxem, com a onde eu escrevim coa, et sic de ceteris, é incumplir o acordado. Assi que, como continuo querendo carregar cos meus pecados, e som mui velho para que me corrijam deveres escolares, nom estou disposto a aceitar semelhante violaçom dos meus direitos […]. 

4. Em agosto de 1985, fóramos convidados polos ‘Amigos do Idioma Galego’ de Buenos Aires, ao II Simpósio Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, para comemorar o centenário do falecimento de Rosalia de Castro. Tivo lugar os dias 22, 23 e 24 de agosto na Biblioteca do Instituto Argentino de Cultura Galega. 
O dia 22 abriu o Simpósio o Presidente de ‘Amigos do Idioma Galego’, o Doutor Fiz A. Fernández que se referiu à trascendência do encontro e exaltou a relevância dos Presidentes de honra vidos da Galiza. A seguir, o nosso Mestre começou a série de trabalhos científicos desenvolvendo consideraçons a respeito da editoraçom do poema Silêncio, incluído em Folhas Novas. Afinal do dia 23, falou sobre a formaçom literária de Rosalia, aduzindo elementos as mais das vezes atingidos na suas próprias investigaçons e, nesse mesmo dia, participou activamente num interessante debate sobre a constituiçom da língua padrom da Galiza, segundo os autores sobranceiros na sócio-lingüística da época. A jornada do dia 24, culminou com as palavras de Carvalho Calero sobre a «Importância Histórica da obra de Rosalia», que além do seu conteúdo científico, criárom um clima colectivo irrepetível polas suas vibrantes e fervorosas palavras.
5. O dia 26 de janeiro de 1986, em Rianjo, a AGAL rendeu umha homenagem a Castelao. O acto foi apresentado polo escritor José Maria Monterroso e a seguir tivo lugar a «Invocaçom» da Presidenta da «Associaçom» convocante. 
A seguir tomou a palavra o escritor Jenaro Marinhas, quem salientou que era um dos poucos presentes neste acto que iam quedando das pessoas que tivérom algum trato directo e pessoal com el, um trato breve e esporádico, se bem sempre afectuoso pola sua parte, no desaparecido Café Galícia da Corunha. Embora o silenciassem, Castelao continuava a ser um ponto de convergência de todos os nacionalistas galegos, o ponto da alavanca que levantará a este povo do nível que lhe corresponda entre todos os demais povos do mundo que sabem dar conta de si. O acto finalizou com umha vivíssima arenga do Professor Carvalho Calero, em que lembrou o significado de Castelao na vida da Galiza, a ideia de que estava vivo em todos os presentes, ainda que o queriam soterrar continuamente.
6. O último discurso corresponde à sessom de abertura do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Começou lembrando que em 1984 saudava os procedentes de outros âmbitos geográficos, em que «usam formas distintas de ibero-românico ocidental, assi como os estudiosos de qualquer origem interessados polo nosso romanco, que podiam comunicar-nos notícias e experiências de utilidade». Insistiu em que «íamos continuar os nossos trabalhos tendo em conta as exigências de adequaçom às condiçons novas da vida mundial, com a incorporaçom de Portugal e Espanha à Comunidade Económica Europeia».
Asseverou que «umha língua regional só persistirá se se converte em nacional, e a prazo mais longo, umha língua nacional que nom seja usada supranacionalmente estará ameaçada de extinçom. O demais é um campo reservado aos dialectólogos». Afirmou que «o espírito dogmático ou totalitário [que se manifestava e actuava na Galiza] confundia o classificador com a realidade, ditava um decreto de unificaçom e pensava que o mundo ficava unificado. Língua, dialecto, fala, norma, sistema, diassistema. Era na liberdade de expressom do próprio pensamento e na liberdade de discussom alheio onde reside a possibilidade de progresso no conhecimento e comprensom do fenómeno lingüístico».
Pujo em destaque que «a situaçom do galego nom era a do bable asturiano ou a fabla aragonesa. […] O nosso idioma nom é umha fala minoritária, mas umha realizaçom da segunda língua românica em número de utentes». Finalizou salientando que «o espírito de fraternidade, nom só no que di respeito aos que se exprimem nas distintas flexons do romanço extremo-ocidental, mas tamém aos que falam as demais línguas hispânicas».

Referências bibliográficas

Carvalho Calero, R. (1984). «Louvança do vinho do Ribeiro». Em: Letras galegas. Corunha: Associaçom Galega da Língua, págs. 127-131.

Carvalho Calero, R. (1990). Do galego e da Galiza. Barcelona, Libergraf. «I Congresso» págs- 23-26 e «II Congresso», págs. 61-64.

Concello de Ferrol (2011). Encontros con Don Ricardo.Carvalho Calero. Ferrol: Concellería de Educación e Universidade.

Henríquez Salido, M. C. (1992). «Dom Ricardo Carvalho Calero, na vida da Associaçom Galega da Língua». Agália, 29, págs. 25-60. 

Henríquez Salido, M. C. (2000). «O professor Carvalho Calero, humanista e lingüista». Em: José Luís Rodríguez (ed.). Estudos dedicados a Ricardo Carvalho Calero. Parlamento de Galicia – Universidade de Santiago de Compostela, Tomo I, págs. 227-238.

Henríquez Salido, M. C. (2011). «Ricardo Carvalho Calero ao longe». Em: Encontros con Don Ricardo. Concello de Ferrol – Educación e Universidade, págs. 103-114.

Montero Santalha, J. M. (1993). Carvalho Calero e a sua obra. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento.

Post scriptum: Acabamos de reproduzir fragmentos de umha carta dirigida à Presidenta da AGAL, porque alguém do Conselho de Redacçom da revista Agália mudara «coa» do seu texto por «com a». Imaginem o mal-estar que poderia ter o nosso Mestre, no caso hipotético de que algumha editora ou um autor tivesse mudado a ortografia das suas obras re-escritas nas duas últimas décadas da sua vida, seria umha flagrante «violaçom dos seus direitos» de autor. 

LETRAS GALEGAS 2020 | CARVALHO CALERO

 

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